Calo ou Falo
Este corte,/ A boca, /Meu melhor açoite;/Sangra palavras!
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Textos
O BAILE
João tornou-se tio ao casar-se com a segunda filha dos avós de Luís, no caso, os pais de sua mãe. A foto perdura a data com a fidelidade nas linhas, perdendo-se apenas algumas cores. Possuía um sotaque do sul de Minas Gerais, podemos dizer, do norte de São Paulo, visto que as fronteiras culturais transcenderam aos rios, às vias de ferro, aos laços sanguíneos. Os assuntos futebolísticos ficavam entre o verde e o azul e os placares oscilavam no tempo tanto quanto as palavras.
Programaram em ir, tio e sobrinho, ao baile daquela noite. As mulheres foram consultadas e, entre aprovar ou não o evento, aceitaram ficar em casa. As mulheres eram a mãe, de Luís que ora achava-se na solteirice, e Marlene, a Tia, esposa de João. Estas combinações masculinas, casado com solteiro, não são muito favoráveis na literatura, na resenha, na crônica local.
A música tocava quando chegou a dupla. Os ritmos estavam defasados da atualidade, mas aquilo era a sobrevida daquela cidade. Era a única atração, reunião para os moradores. Cidade pequena, todos se conheciam, porém acudia um grande raio, pela festividade e escassez de quermesses.
Os músicos eram os mesmos da banda de música da retreta da semana passada. Ensaiavam passos aqueles mais aplicados, sincronizados com goles de destilados. As cervejas também traduziam um gosto de alegrias, liberdades, aventuras e euforias. Pediram uma e dois copos!
Músicas de décadas passadas. V...alsas, b...oleros, s...ertanejas. Um vestido branco pendulava na pauta musical quando Luís foi buscar a segunda cerveja. A contradança foi inquestionável. Equalizadas ficaram os tempos, acertado o passo e ousado no abraço. Desvencilhado no descanso da banda, escapou em retorno à mesa. Já contava pontos!
Entabulada já estava a convetsa quando a música mecânica parou, João foi brincar com uma outra moça e a apresentou a Luís. Na mesma hora, ela e Luís cruzaram sorrisos e as sinalizações prometeram uma aproximação e intimidade maiores. Conduziram uns poucos passos. Olhavam-se, mediam-se e ao horário.
Luís retornava depois de seguir pela linha do trem, desceu no viaduto para a via vicinal que ia margeando o campo de aviação. Vinha realizado, vaporizado pelos odores do namoro. Após a cerca que foi derrubada por dois adolescentes, avistou João ansioso com a hora de ir embora. Batendo as folhas que grudaram da relva ao linho do seu paletó, resmungava o contrafeito. Subiram pelo barranco até o local onde os reis do fim de festa negociavam um transporte, uma carona, e esperavam o expresso que poderia vir pela madrugada.
Abaixou os faróis antes de buzinar. A carroceria puxada por uma cabine de caminhão a diesel, trucada, chamavam-na de Jardineira. Ao ouvir” Vai para Minas Gerais” João já estava em cima da carroceria, sem que Luís dessa conta de como ele subira.
O motorista ameaçava partir com a embreagem.
- Salta, João. Este não serve pra nós!
- Salta, João!
João não entendia seu engano, não sabia como desfazer sua ação. Luís viu quando ele cruzou os braços sobre o peito e de pé, abeirou-se da parte traseira...olhou para as estrelas do céu em oração e saltou como um paraquedista abraçado ao fuzil. A embreagem ajudou na rampa, sem mestre-de-salto, sem paraquedas.
João tinha um histórico de pinos na coluna. Certa vez... uma motocicleta...outra história.
Rolou João pela grama e entre o grito de dor e cheiro dos monóxidos, uma fumaça enevoava as luzes vermelhas. O sereno grudou mais gramíneas no filó.
- Tio! O que foi, isso?! Tudo bem!?
- Caramba! deixa eu ficar quieto.
Conseguiam andar lentamente, antes de dobrar a esquina, amparado pela luz da manhã do dia que enaltecia o sol. As mulheres aguardavam pelas piores notícias no portão. Acudiram imprecando contra as irresponsabilidades. Alivio um, por estarem vivos! Alivio dois, por não ter sido briga! Alívio três, não havia sangue.
Luís não saiu ileso.Maria, a mãe, falou pouco mas o bastante pela noitada, o que já era muito positivo. Fosse somente olhar e o silêncio, ai sim! seria mais grave e perturbador.
- Como foi que você subiu naquele caminhão, tio?! Eu nem vi!
Com uma cara de piada, ainda assim inspirava piedade, pois a outra era de dor; respondeu ele:
- Quando a gente quer subir, o anjo dá a mão; se a gente quer descer, o mesmo anjo dá um empurrão!
Luís Aseokaynha
Enviado por Luís Aseokaynha em 11/09/2021
Alterado em 12/09/2021
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